quinta-feira, maio 26, 2005

Oeiras Local - informaçao

Olá !
Hoje não trago uma estória mas uma informação.
Venho divulgar um outro blog de cuja existência tomei há dias conhecimento, e que me parece merecer destaque e uma visita.
Chama-se Oeiras Local, debate temas relacionados com o Concelho de Oeiras e, pelo que me pareceu, fá-lo com um espírito bastante democrático.
Podem encontrá-lo aqui: http://oeiraslocal.blogspot.com/

Até já!

sábado, maio 07, 2005

in memoriam - António Martins

Este texto é uma pequena e breve homenagem a um homem que, se fosse vivo, faria hoje 126 anos e que conheceu Oeiras muito antes de eu ter vindo ao mundo.



ANTÓNIO FERREIRA MARTINS nasceu a 7 de Maio de 1879 em Albergaria-a-Velha, filho de Ana da Silva dos Santos. Não lhe conheço nome de pai mas tê-lo-ia certamente como todos nós e, segundo o meu pai, que o conheceu bem pois foi educado por ele, ele sabia quem era o seu progenitor (há quem diga que era o patrão de sua mãe...)
A crer no Bilhete de Identidade 118336-A, datado "Lisboa, 28 de Outubro de 1941", era um homem baixo, 1.60 m., e tinha olhos castanhos.

Sou bisneto dele e a partir daqui vou referir-me a ele como o 'avô', pois foi assim que sempre ouvi referi-lo, ao longo de toda a minha vida. Não só pelo meu pai, seu neto por parte de mãe, mas por todos os familiares, incluindo o meu ramo materno, pois o avô foi uma referência e um pilar de toda a família enquanto foi vivo, e ainda é recordado com profunda saudade por todos.

Enviuvou de Candida Mendes Martins, sendo uma das filhas deste casamento Hortense Martins. Esta Hortense é a mãe de meu pai, e portanto Candida é avó de meu pai.
Casou em segundas núpcias com Sofia da Silva, de quem, aliás, não houve descendência.
E aqui começa a desenhar-se o motivo que o tornou um pilar central da família.
Sofia era irmã de Angelina, minha avó materna, logo era tia da minha mãe.
O avô era avô do meu pai, este casado com a minha mãe, logo era 'avô adoptivo' desta...
Sofia era mulher do avô, avô do meu pai, logo 'avó adoptiva' dele...
O avô era marido de Sofia, tia da minha mãe, logo 'tio adoptivo' dela...
Sofia era tia da minha mãe, casada com o meu pai, logo 'tia adoptiva' dele...
Assim, o avô era simultaneamente avô e 'tio adoptivo' do meu pai, e Sofia era tia e 'avó adoptiva' da minha mãe! Os meus pais, além de esposos, são 'primos adoptivos'!!!
Claro que com esta relação entre os dois ramos familiares, toda a gente se sentia 'neto' do avô, p.ex. os irmãos da minha mãe, os primos dela, etc.

Desconheço o percurso do avô desde que saiu da terra onde nasceu até se fixar em Lisboa. Sei que trabalhou na Metalúrgica de Benfica, julgo que era uma fundição, onde terá fundido os candeeiros de ferro que rodeiam o obelisco dos Restauradores. Orgulhava-se, aliás, de o ter feito, pois fundiu-os em peça única, contrariando a opinião do engenheiro, que considerava tal coisa impossível e que após constatar os bons resultados do trabalho, deu o braço a torcer e fez questão de desfilar de braço dado com o avô pela oficina, entre alas formadas pelos operários. O engenheiro de fato e gravata, o avô de fato-macaco sujo e encardido... O avô contava esta história com grande orgulho e entusiasmo, segundo testemunhos. Sei que mais tarde, já comerciante, a sua firma teve relações comerciais com esta empresa.

Desconheço também o que aconteceu até casar com a minha tia-avó Sofia.
Tanto quanto sei, ela, empregada numa fábrica ou oficina, conheceu-o por via do armazém de velharias (ferro-velho, sucatas) que o avô tinha em Alcântara ao lado do local de trabalho dela... ele, homem dos seus cinquenta e tal anos... ela, moçoila de vinte e poucos anos... e as coisas aconteceram...
Como certo tenho que o avó, era um comerciante ligado à indústria.
Tinha o citado armazém de 'trastes' em Alcântara. Talvez tenha começado aqui a sua actividade comercial.
Sobre esta actividade há uma história trágica. Alguns operários da firma do avô tinham ido a uma fábrica, relacionada, ao que se sabe, com gás, desmontar alguns equipamentos ou máquinas. Estas teriam sido adquiridas pela firma do avô à tal fábrica, que certamente já não necessitava delas, para serem vendidas como sucata. Quando estavam a trabalhar ocorreu uma explosão que, tanto quanto sei, matou um ou dois dos operários. O avô pagou uma choruda indemnização às famílias, pois estes operários estavam a trabalhar numa situação ilegal.
O mencionado armazém talvez pertencesse à empresa de sucata, de grande dimensão, "Martins & Cadório, Lda." da qual o avô era sócio, julgo que ou maioritário ou com metade das quotas, ou não faria sentido o seu nome aparecer na designação da firma. Ou talvez esta firma tenha nascido a partir da actividade daquele armazém.
Para dar uma ideia da dimensão desta empresa, à data da morte do avô, estava acostado no cais de Alcântara um velho cargueiro que a empresa tinha adquirido para desmantelar e vender a sucata resultante às fundições.
Negociavam sobretudo com fábricas e fundições, de metalurgia e metalomecânica, e por isso a sua ligação a Oeiras, por via dos negócios que tinha com a Fundição de Oeiras.

Era grande amigo do Cardoso, que foi dono da Fundição de Oeiras, e frequentava a casa deste, nesta localidade, junto à estação da CP.
Julgo saber que o Cardoso apenas terá adquirido a Fundição de Oeiras nos anos 40. Desconheço se este Cardoso já tinha alguma ligação anterior com esta. Talvez fosse engenheiro e lá tivesse trabalhado antes de a adquirir, o que era algo comum na época. Tenho documentos fotográficos de visitas do avô ao que ele chama a "Quinta do Cardoso" datadas de 29 de Agosto de 1926 que mostram o avô e o Cardoso na casa deste. Isto demontra que o avô já conhecia o Cardoso nesse ano e também que já frequentava Oeiras nessa época. Disto presumo que talvez nessa altura já existissem relações comerciais entre a "Martins & Cadório, Lda" e a "Fundição de Oeiras".
Era ainda sócio da "Sociedade Ultramarina de Conservas, Lda.", proprietária duma fábrica de conservas, situada em Cabo Verde. Fábrica esta que, segundo ouvi, na Segunda Guerra Mundial forneceu os exércitos alemães. Há poucos anos esta fábrica ainda se encontrava em laboração.
Foi por esta via que a família conseguiu contornar parcialmente o racionamento imposto pela guerra. O avô recebia, na sua qualidade de 'patrão', latas de atum em sua casa que distribuía pelos familiares. Eram umas latas redondas, umas mais pequenas e outras maiorzinhas.
A minha mãe conta a propósito deste período negro da nossa história, que alguém, não sei quem, ia à "Sena Sugar Estates" (antiga "Refinaria Colonial"), fábrica de açúcares em Alcântara, onde em tempos tinha trabalhado o meu avô Júlio Baptista como guarda-livros, buscar açúcar, que lhe era fornecido em pacotes com torrões quase negros de açúcar. Talvez o chamado 'açúcar mascavado' (tenciono falar um destes dias dos meus avós e daquele período 'fantástico' dos anos 20-30 em que viveram, se a tanto me ajudar engenho e arte...) O edifício desta refinaria foi demolido há poucos anos (por volta de 1993 a refinaria foi abandonada). Era um enorme edifício de tijolo e situava-se junto da estação da CP. Tenho uma vaga ideia de que o mesmo chegou a pertencer à Sidul/Sores. Quanto à Sena Sugar, encontrei na Internet referências à empresa que a situam actualmente na África do Sul.

O avô gostava de passear: Espanha, França, Marrocos, foram locais onde veraneou em turismo, sempre acompanhado da esposa Sofia. Chegou mesmo a fazer-se acompanhar dos meus pais nalguns desses passeios turísticos, quando eles eram namorados.
Era, certamente, um homem duro e rigoroso. O meu pai conta que um dia levou um valente estaladão do avô, e já tinha 18 anos, por este o ter surpreendido a fumar um cigarro! Segundo o meu pai, estava distraído a sorver o fumo da sua cigarrada quando o avô surgiu por trás sem que ele se apercebesse e de repente... Plaf!, sai um chapadão! O avô não tinha dado autorização ao meu pai para fumar, daria mais tarde, e não admitia abusos.
Do seu carácter sobressai também que era um homem que gostava da boa mesa. Frequentava as melhores casas de Lisboa, como o Martinho da Arcada e o Tavares Rico, onde se reunia com os amigos frequentemente em grandes comezainas que, aliás, parece que ele é que pagava e por isso estava sempre rodeado de muitos amigos.... Existem muitos documentos fotográficos que o comprovam.
O meu pai conta a este propósito uma história, creio que passada no Martinho, que demonstra bem o seu apetite voraz: Era hábito o avô comer sopa, e aquele dia não foi excepção. O empregado, solícito como sempre, que as gorjas eram avultadas, trouxe a sopa do costume. Mas esta não encheu as medidas do avô, e ele pediu outro prato de sopa, que o empregado trouxe de imediato. Contudo o avô estava num dia de particular apetite e esta segunda sopa teve que ser seguida por outra... e outra... e outra... até o empregado se acercar embaraçado, acompanhado do cozinheiro, e comunicarem, após milhões de desculpas, ao "Sr. Martins que já não tinham mais sopa". O avô tinha, literalmente, devorado 19 pratos de sopa!

Entre os seus grandes amigos, e refiro-me aos verdadeiros, contava-se também o Sr. José Gonçalves Monteiro, proprietário da conhecida Casa Monteiro, na Baixa lisboeta. Sobre este Sr. Monteiro corre também uma história na família: Ao que parece, ele era casado (D. Laura) mas não tinha filhos. Talvez problema dele, talvez da esposa. A verdade é que se sentia infeliz por não ter descendência a quem deixar o seu 'império', conquistado à custa de tanto esforço. Refiro-me em especial à Casa Monteiro, na Baixa Lisboeta. Um dos grandes armazéns lisboetas, rival dos Armazéns do Chiado e da Casa Grandela. Diz-se que, quando eu nasci, o Sr. Monteiro ofereceu 300 contos, uma imensa fortuna na época (1957), ao meu pai, que trabalhava lá na casa, para abdicar da minha paternidade e permitir que ele me aperfilhasse e que eu fosse viver com ele e a mulher para ser educado por eles, como filho deles, e assim tornar-me herdeiro dele. O meu pai recusou... quem me conhece nota...

Só me lembro de ter visto o avô uma única vez. Apenas uma, mas é uma imagem que se gravou a fogo na minha memória, e se tornou indelével. Foi pouco antes de ele falecer e eu teria os meus 3 anos.
Foi na casa que ele habitava, num prédio da Rua Domingos Sequeira, na Estrela.
Lembro-me de ter entrado numa sala ou quarto, mergulhado na semi-obscuridade, no centro do qual estava um senhor idoso imóvel, sentado numa enorme poltrona. Parece-me recordar que tinha um cobertor sobre as costas e outro sobre as pernas. Estava bastante agasalhado. Alguém, talvez o meu pai, disse "zézinho, este é o teu bisavô". Aproximei-me dele levemente, olhei-o com os meus olhinhos infantis e curiosos, e julgo que me acariciou os cabelos. Nunca mais o vi.

Por vezes penso no quanto ele saberia sobre Oeiras, como esta era quando ele a visitava. A estação de comboios, as ruas, as quintas, a praia, o ar... O que ele sentia e o que os seus olhos viam quando aqui vinha. Como eram as casas, as gentes... tantas perguntas que eu teria para lhe fazer...

Pois é, gostava de ter conhecido o AVÔ.


post scriptum: indo a http://homepage.mac.com/zetolas/Hueiras/PhotoAlbum9.html - ou clicando AQUI -, pode ver algumas das citadas fotografias do avô em Oeiras em 1926.