sábado, outubro 01, 2005

a certa infinitude



Um dos problemas no meu prédio era o assédio quase diário dos moços e moças da publicidade, o dia todo a tocarem às campainhas para lhes abrirem a porta, para além do habitual, e mais ou menos regular, carteiro. Já referi aqui um caso (muitos outros terão acontecido) em que alguém se fez passar pelo carteiro para lhe franquearem a porta...
As caixas de correio eram das antigas e instaladas no interior do hall de entrada.
O facto de serem antigas e colocarem este problema da porta, não temos video-vigilância e isso coloca problemas de segurança, levou-nos a vários debates em assembleias de condóminos no sentido de as substituirmos pelo modelo actual, moderno, recomendado pelos CTT, com abertura para o exterior do prédio. Decisão que acabámos por tomar.
Estas novas caixas têm algumas vantagens: a abertura é no exterior pelo que não é necessário entrar no prédio para nelas colocar a correspondência e são também maiores, o que é muito útil para quem recebe revistas ou livros, como cá em casa. Tenho diversos exemplares da Revista Portuguesa de Filosofia, uns calhamaços de cerca de 600 páginas, com as lombadas todas estuporadas da força que o carteiro fazia para as meter, até meio..., na caixa (isto sabendo eles que em tais casos devem tocar à campainha para entregar em mão, o prédio até tem elevador; ou deixar aviso; algumas fui levantar à estação de correios, apesar de eu estar em casa à hora a que o carteiro deixava os avisos..)

Mas não são só estas as vantagens. A grande vantagem é de facto a desnecessidade de entrar no prédio, logo de ter de tocar à campainha para alguém abrir a porta.
Ora no meu prédio, e também por diversas vezes referimos isso nas reuniões, há pessoas que têm o péssimo hábito de, quando lhes tocam à campainha, destrancar a porta da rua sem sequer perguntarem "quem é?", o que tem como consequência que toda a gente pode entrar à vontade, seja para pôr publicidade, seja para andar a pedir às portas, seja para divulgar serviços, seja para 'estudar' o prédio, seja para o que for. Quantas vezes atendi à porta e após ouvir que era 'publicidade', e responder que não abria, ao mesmo tempo ouvia o barulho do intercomunicador a ser mexido e o som do trinco indicando que alguém, cuja voz não se ouvira, tinha aberto a porta.

Há pouco tempo a obra foi finalmente executada e as caixas substituídas. O acesso a elas é agora feito pelo exterior do prédio, pelo que não há necessidade de tocar às campainhas. Este tipo de caixas, aliás, não tem ranhura pelo lado interior pelo que nada se pode lá meter, a não ser mesmo pelo exterior. Assim sendo, não há qualquer razão lógica para abrir a porta. Dita o mais puro bom-senso que tal não seja feito, não é?
Por isso, pensei que se fosse generalizando o hábito de não tocar para abrir a porta, à medida que carteiros e distribuidores de publicidade e propaganda fossem aprendendo e apreendendo a nova realidade.
De facto, tenho notado que tocam menos à porta. Agora quanto ao resto...

30 SET 2005.
Eram umas 17:35 quando soou a campainha da minha porta. Pelo timbre percebi que era a da entrada do prédio.
Dirigi-me à porta, levantei o intercomunicador, quem será a esta hora?
— Quem é?
— Fá favô, publicidadji tele-pizza — respondeu-me uma voz de rapaz, com sotaque.
— Desculpe, as caixas são lá atrás, com licença — esclareci enquanto me preparava para repôr o intercomunicador no suporte. Ainda tive tempo para ouvir o som característico do trinco da fechadura a estalar. Alguém tinha aberto a porta...


"Só 2 coisas são infinitas: o Universo e a estupidez humana. E eu não estou certo do primeiro..." Albert Einstein

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